11.09.2009

"Questão Quilombola", por José Tibiriça

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No dia 04/09/2009, Cíntia Beatriz Muller, advogada, antropóloga e doutora em Antropologia Social da UFGD, relatou que participou de um evento sobre questões quilombolas em São Paulo e referiu-se sobre a ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo DEM contra o decreto 4887/2003, que considera um marco importante de proteção das comunidades quilombolas. Sua entrevista foi concedida à Assessoria de Comunicação da UFGD, publicada nos jornais virtuais Douradosnews e Midiamax, quando fez a seguinte afirmação: “discutir terra no Brasil, seja para índio, quilombola ou povos tradicionais, é tocar num assunto polêmico, porque a dimensão do significado da terra é muito caro para a elite e para uma parte importante da estrutura social brasileira, o que não deixa de ser um embate ideológico, frente ao discurso.

Diante da assertiva, consultei o dicionário Aurélio: Elite significa “Aquilo que há de melhor numa sociedade. Minoria prestigiada e dominante no grupo e constituída de individualidades merecedoras por si mesmas”.

Prezada colega, nasci na Picadinha em 01/11/1951, meu pai chegou em 1937 no Cerrito, onde és professora na UFGD há mais de um ano e ao ler sua entrevista, achei por bem tecer alguns comentários. É muito bom saber que fôste convidada para integrar a equipe de pesquisa para elaboração de relatórios de identificação e delimitação de áreas quilombolas em Mato Grosso do Sul, que segundo informas, serão feitos através de convênio celebrado entre o Incra e a UFGD.

Como afirmaste, já foi noticiado que no nosso Estado já foram identificadas mais de 10 comunidades rurais e urbanas, assunto que venho acompanhando pari passu, pois nos interessa muito, principalmente sobre a Picadinha, onde conheço muito bem, ali nasci, me criei e nossa família está presente na terceira geração há 70 anos e é o que nos interessa no momento e aos demais proprietários. Segundo afirmaste, já existe um relatório antropológico escrito por um antropólogo formado pela Unb (Universidade de Brasília) e que já estava pronto quando chegaste em Dourados em julho de 2008. Essas informações são muito importantes, pois até então, desconhecia este fato e quanto à autoidentificação, baseada na Convenção 169 da OIT, junto à Fundação Cultural Palmares, não vou me manifestar, afinal é o procedimento vigente. 

Quanto ao processo administrativo de No 54290.000373/2005-12 que se iniciou em 2005, os proprietários da Fazenda Cabeceira de São Domingos, pequenos e médios foram pegos de surpresa, pois foram visitados por um funcionário do Incra, que transportava na viatura do órgão o presidente da associação dos quilombolas para identificar os proprietários e entregar-lhes uma notificação, o que já foi feito com parcialidade e até houve escolta da polícia federal. No meu caso, quero narrar-lhe que como resido na Av. Weimar Gonçalves Torres, estiveram em minha residência e a notificação foi recebida por minha esposa no dia 27/10/2005, às 16:00 horas, pois eu estava em convalescença no Hospital Evangélico, tratando de uma pancriatite. O que impressionou foi o aparato policial, em companhia do funcionário do Incra. Quando uma viatura da Polícia Federal estaciona na frente de qualquer casa com os dizeres químicos, deixa transparecer que alguém está sendo procurado porque alguma coisa feia praticou, que não era o meu caso. Como moro muitos anos nesta casa e sou bem relacionado com meus vizinhos, eles queriam saber o que estava acontecendo, afinal a polícia esteve conversando com minha irmã e minha esposa.

Lá na Picadinha o agricultor ficou assustado, afinal é um pessoal que apenas sabe mexer com a terra e sempre levou uma vida harmoniosa no Distrito e ninguém foi chamado para explicar o que seria feito, mas debaixo do pano. A partir daí começamos a ser sufocados pelos agentes do governo estadual e municipal de Dourados e tivemos que reagir escrevendo artigos, mas não foi fácil. Todo este comportamento contraria parte daquilo que consta de sua entrevista: a área que esse grupo pleiteia por isso a importância do estudo em auxiliar todos os envolvidos, comunidade e sociedade civil, na compreensão do significado daquela área e os marcos de territorialidade acionados pelo grupo para reivindicarem aquele território”, essas foram suas palavras.

No governo municipal de Dourados passado, a Comafro tinha um núcleo na administração, onde funcionou o QG Quilombola, fato que foi denunciado, via secretário de governo por ter ela utilizado a máquina municipal contra os produtores, publicando notícias, através da agência de comunicação, mas tudo ficou como dantes. E quanto à sua afirmativa de que os setores se opõem a esse tipo de demarcação ou delimitação desconhecerem a própria lei, discordo. Com relação à Picadinha, a maioria dos produtores são colonos, pessoas que apenas trabalham, produzem e não houve um preliminar de esclarecimento, tudo foi feito na base da pressão, com interesse ideológico. Interpelei na época o Sr. Reginaldo Ferreira, coordenador da Eletrosul em Dourados que em 29/01/2005 fez a convocação dos descendentes de Desidério para a primeira eleição da associação e ele me respondeu que a polícia esteve nos procurando, porque tinha havido um problema em Corguinho. Respondi a ele que conhecia a região de Corguinho há muitos anos, mas que na Picadinha não existia bandidos e sim homens trabalhadores que produziam o grão para ser consumido na cidade, inclusive por ele.

A Picadinha é um caso excepcional, pois o grupo de 06 (seis) pessoas que se autodeclaram como quilombolas, somente duas vivem lá, as outras moram em Dourados e seus ancestrais venderam aos poucos parte da terra a terceiros. Ninguém é contra a associação, que ela consiga todos os benefícios possíveis, lá uns são proprietários e outros posseiros, pois deixaram de fazer o inventário. Certa vez conversando com o antropólogo Homero, depois de ter protocolado uma denúncia no dia 05/09/2008 junto MPF, envolvendo a prefeitura de Dourados sobre a construção em terra particular com recursos públicos, ele me perguntou se eu faria o inventário deles, quando lhe respondi que estava à disposição de todos, sem exceção, pois sempre fazia suas declarações de ITR. Deixei de fazê-las, a partir do litígio que a associação criou, nós vivíamos na harmonia, mas alguns políticos com domicílio eleitoral em Dourados, insuflaram aquelas pessoas, apenas por interesse eleitoreiro.

Nós estamos nos defendendo dentro da legalidade, não deixamos o Incra inicialmente medir a área, pois estava sem mandado judicial, houve vários confrontos na base da conversa do agricultor e a polícia concordou, afinal estava o Incra querendo fazer um trabalho, sem amparo legal e assim vamos continuar e provar que ali nunca houve quilombo. É uma fraude criada por personagens, alguns até se dizem doutores em história, vieram para Dourados e querem mudar a nossa história.

Chegou-se ao cúmulo de ser noticiado pelo jornal virtual Douradosinforma em 29/09/08, que o trabalho do professor Euclides Reuter de Oliveira, da Faculdade de Ciências Agrárias (FCA), da UFGD foi selecionado no ProExt. No seu trabalhou ele relatou que na comunidade negra do Distrito Picadinha viviam cerca de 336 pessoas em 41 hectares, apresentando baixo nível de escolaridade, cuja terra era de baixa fertilidade. O assunto foi comentado por mim com o reitor da UFGD, professor Damião, que estava acompanhado da professora Ceres, por ocasião do lançamento do filme terra vermelha no Shopping Dourados. Fiquei até exaltado em função do grave problema, pois a Picadinha tem uma das melhores terras da região e o número de supostos quilombolas, moradores negros não passam de 30 pessoas, a maioria miscigenada, pois eles casaram-se com pessoas de origem italiana, ou seja: com os Pissini (italiana), alemã (Kuttert), paraguaia (Areco). Quanto ao número de pessoas, imagino que o dito professor multiplicou por 10 e não teve a precaução de ir ao local, foi uma pena, afinal do Cerrito até lá são cerca de 4 km e já fiz este trajeto muitas vezes a pé, afinal sou crioulo do lugar.

Em 2006 foi feito um recadrastamento das pessoas que recebiam cesta básica e somente sete compareceram, muitas dessas, apesar de terem boa moradia, carro particular, boa estrada, transporte viário, fato noticiado pelo jornal virtual douradosnews e douradosinforma. Eles continuam recebendo cesta básica, porque dizem que o quilombola tem direito. O que narro, é baseado naquilo que li e guardo os comprovantes. Antes mais de 300 pessoas se cadastraram como quilombolas, recebiam duas cestas básicas, uma do governo federal e estadual e quem orientava era a Comafro, instalada num núcleo da prefeitura, na gestão anterior. Os necessitados da Picadinha queriam também cesta básica, mas como não eram sócios, tinham que pegar no guatambu para ganhar o pão de cada dia como o velho karai Luchi? Pergunto isso é fazer justiça, tirando da boca do miserável para atender uma parcela da população, só pelo fato dela ter se autodeclarado descendente de escravo, se associado e cadastrado como quilombola? Isso não é pecado? Isso não é corrupção? Será que não deviam ser indiciados? Será que a denúncia que fiz ao Ministério Público de Dourados quanto ao mau uso de verba pública está na gaveta? Uma cópia protocolei no dia 30/12/008 na Prefeitura Municipal de Dourados para que o atual administrador ficasse ciente do que aconteceu na Secretaria de Obras da Prefeitura de Dourados.

A sua afirmação quanto ao papel da universidade no caso quilombola, irá atrás de registros documentais, fontes jornalísticas de determinados períodos e pelo que entendi, tens vivência na questão, que nos deixa mais tranqüilo. Os costumes aqui são bem diferentes do Maranhão, Bahia e do próprio Estado do Rio Grande do Sul. Os primeiros negros que chegaram na nossa região, vieram após a participação na Guerra da Tríplice Aliança, muitos do nordeste e após a guerra se instalaram em Lagoinha, em Antonio João e no próprio Paraguai aonde existe uma comunidade de descendência negra e que poucos sabem. No caso de Antonio João, meu bisavô Major João Luiz Gomes, alagoano, que era filho de uma negra e português, e por conseguinte mulato, foi o último diretor da Colônia Militar dos Dourados. Após a desativação da Colônia, requereu do Império parte de uma área que denominou-a de Fazenda da Resignação e seus soldados também receberam terra na região de Lagoinha, conforme foto de 1929 da palhoça do Tio Vieira, no livro Antonio João, publicado em 1938 pela tipografia B. Bloch & Irmãos, escrito pelo General Valentim Benício da Silva, terras recebidas pelos negros como premio pela participação na Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai, nunca foram escravos e já as venderam para terceiros, cuja história só existe no livro.

Quanto a este assunto, seu comentário está expresso assim: “vamos atrás de registros documentais............vai depender da seriedade da minha crítica frente à coleta dos meus dados. Nós não podemos correr o risco de prejudicar as comunidades e a sociedade e abrir o flanco da desconfiança sobre a produção de pesquisas na universidade...

O que nos preocupa muito é o lado ideológico, pois desde que o fato aconteceu, criou-se um problema muito grave, dava a impressão que nós éramos invasores, afinal os atuais proprietários da Fazenda Cabeceira de São Domingos e os antigos, representados pelos filhos e netos têm vocação para mexer com a terra. Os que venderam partiram para outros rincões à procura do melhor. O que se deve levar em conta é que muitos dos proprietários atuais, seus pais vieram da Europa contra vontade, eram paupérrimos, dentre eles meu pai, sofreram toda a discriminação e conseguiram crescer. Afinal ser pobre não é defeito, infelizmente os políticos, procuram apenas encher a barriga da pobreza e Lula faz o mesmo. No ano 2000 ele disse o pobre é conduzido a pensar pelo estômago, é uma peça de troca, não vota partidariamente, por isso que o governo distribui cesta básica, modelo que ele adotou e consegue uma grande popularidade.

Muito dinheiro na associação já foi gasto e não sabemos aonde foi aplicado, um fato que deveria ser investigado, já que Dourados é a capital dos escândalos.

No lado comercial a situação também se agravou, pois se alguém ali quiser vender parte da área não conseguirá, pois quem comprará uma área, onde há litígio, muitos ficam com medo de comprar e perder lá na frente. Em conseqüência, a dívida vem aumentando no banco, em decorrência da safra nos últimos três anos e a maioria que vive da produção está descapitalizado. Em 2005 quando fiquei doente, vendi parte de uma área para pagar o banco e quem a comprou disse que estava comprando para me ajudar e caso perdesse,eu teria que devolver o dinheiro. Vendi a área por R$ 6.000,00 o hectare, quando valia o dobro.

Sua entrevista foi muito importante, professora, pos nosso país é formado de vários brasis e o fato de estar à frente do tema desde 2001, ter trabalhado no Rio Grande do sul, e hoje como integrante da equipe de pesquisa da UFGD para elaboração de relatórios de identificação e delimitação de áreas quilombolas em nosso Estado, está demonstrando transparência e gostaria que analisasse a questão da Picadinha com imparcialidade e in loco, pois alguns historiadores aqui costumam narrar fatos através de dados coletados por pessoas que não conhecem a região, narrados no ouvi dizer.
Em 16/09/2008 foi emitido parecer pelo Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, sob o seguintes termos: Parecer quilombolas.

Parecer sobre a existência de quilombolas em Mato Grosso do Sul. Os associados efetivos do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, em reunião, no dia 10 de setembro de 2008, após analisar o relatório oral do associado Paulo Eduardo Cabral sobre a existência, ou não, de quilombolas em Mato Grosso do Sul, aprovaram, por unanimidade, o seguinte: Parecer sobre quilombolas em Mato Grosso do Sul. "Os associados efetivos do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, considerando que o sul de Mato Grosso despontou no cenário econômico brasileiro como área de produção pecuária, após as décadas de 1830/1840, quando a escravidão já se encontrava em processo gradativo de desarticulação;

Considerando que o território hoje sul-mato-grossense se encontrava fora da rota de fuga dos escravos egressos dos centros econômicos mais significativos à época do regime escravista (SP, MG e região norte de MT);

Considerando que havia, no último quartel do século XIX, forte empenho de líderes pela libertação de escravos, a exemplo das Juntas de Emancipação nas principais vilas e cidades do sul de Mato Grosso, com resultados positivos;
Considerando que, sobretudo após a Guerra da Tríplice Aliança, o número de escravos no sul de Mato Grosso era de reduzido significado;

Considerando que não há documentos, nem ao menos indícios, que provem a existência, no atual Mato Grosso do Sul, de quilombos, mesmo que tardios,

Manifestam-se, por unanimidade, no sentido de não reconhecer a presença de quaisquer núcleos quilombolas remanescentes em nosso estado.

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